As garantias jurídicas e a proteção de interesses são sempre assuntos muito procurados ao se envolver em qualquer tipo de negócio. Com o crescimento e profissionalização dos esportes eletrônicos, as dúvidas alcançam o novo mercado. O Bit Magazine foi procurar respostas para a pergunta: como o Direito brasileiro trabalha no cenário de e-sports nacional? Entrevistamos um especialista em direito desportivo e digital que atua no mercado de e-sports.
A proteção jurídica dos atletas de e-sports é como a de qualquer cidadão
Se considerarmos os direitos básicos de brasileiros natos, a afirmação é 100% verdadeira. Mas, no caso específico dos e-sports, alguns dispositivos mais específicos estão ao alcance dos atletas — assim como em qualquer outra modalidade desportiva.
Pela ausência de legislação própria, os direitos que norteiam as relações entre atletas de jogos eletrônicos e seus contratantes (times), recorrem a códigos já utilizados no Direito brasileiro e adaptados para o novo cenário.
Sobre essa questão, o Bit Magazine entrevistou o advogado André Fehér Junior, especialista na área de esporte, entretenimento e e-sports do escritório CSMV Advogados, que citou alguns dispositivos ao alcance dos “cyberatletas”:
“Inicialmente, é necessário esclarecer que considerando a ausência de uma legislação específica aplicada aos esports, aplicam-se outras áreas do Direito nas relações estabelecidas pelos atletas junto aos seus clubes. Sobre o tema, o Direito aplicado abrange algumas áreas como a do Direito Desportivo (Lei 9.615/98 – Lei Pelé), Direito do Trabalho (Decreto-Lei 5.452/43 — CLT), Direito Civil (Lei. 10.406/02), Direitos Autorais (Lei 9.610/98), Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/18), entre outras existentes que se aplicam, em sua maioria, na relação clube-atleta no mercado de esports.”
O cenário de esportes eletrônicos é visto sim, como prática desportiva amadora ou profissional. Segundo o advogado, por ter esse fato definido está garantido o “contrato especial de trabalho desportivo, visto que a relação contempla em quase todas essas relações, além da Lei Pelé, os requisitos do Art. 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas — CLT.”
As relações contratuais para fins de exploração de imagem dos atletas, de qualquer espécie, passa por documentos separados, assim como em outros esportes. O mais interessante no caso dos “cyberatletas” é a questão do streaming como fonte de renda, sobre esse tema André explica:
“Por fim e não menos importante, considerando que a maioria dos atletas exerce atividades de streaming, ou seja, exercem uma atividade de natureza civil desvinculada da sua relação trabalhista na condição de atleta profissional de esports, geralmente, os clubes celebram um terceiro instrumento junto aos atletas, qual seja o contrato de prestação de serviços de streaming.”
Como o Direito Brasileiro enxerga o cenário de e-sports nacional?
Em todo o direito, leva-se um bom tempo para que algo mereça atenção especial, ainda mais quando o uso de leis já existentes servem para resolver os casos em novas áreas.
A resposta mais simples para essa pergunta é: ainda é cedo e o mercado novo, mas isso não reduz a importância futura da criação de dispositivos próprios.
“Atualmente, ainda que existam projetos de lei em trâmite junto às casas legislativas, quais sejam o PL 383/2017 (nacional) e 1512/2017 (estadual — SP), porém não há nenhuma legislação própria e específica aplicada aos e-sports em vigor. Entretanto, conforme o entendimento majoritário de diversos especialistas e até mesmo da jurisprudência de que os e-sports se enquadram como modalidade esportiva, a aplicação legislativa que se amolda a esse mercado é a Lei Pelé, entre outras complementares em atenção à multidisciplinaridade existente, por conseguinte, se recorrem às legislações que incidem nas relações entre clubes e atletas a exemplo das mencionadas anteriormente.”
A maioria dos atletas de e-sports é jovem ou menor de idade, o que o Direito diz?
Agora vamos a uma questão fundamental entre o Direito e os e-sports: como se tratam as relações entre menores de idade que exercem profissionalmente o papel de atletas nos jogos?
A dúvida é muito pertinente, principalmente, devido aos números maiores e crescentes de atletas entrando nesse mercado. Chamando a atenção para uma determinação específica, André Fehér explica:
“Sobre o tema, é importante elucidar como premissa que atletas menores de idade, seja por uma relação profissional ou amadora, deve ter sempre a anuência dos representantes legais do Atleta, quando o atleta for incapaz absoluto (menos de 16 anos) — Art. 3° da Lei. 10.406/02, ou de seus assistentes, quando a incapacidade for relativa (entre 16 e 18 anos) — Art. 4° da Lei. 10.406/02.”
E justamente pela aplicação da Lei Pelé, os clubes podem firmar contratos de “formação” — como as categorias de base dos clubes de futebol — desde que os atletas sejam maiores de 14 e menores de 20 anos, segundo o art. 29 e seus parágrafos.
Parece ser uma coisa simples, mas não é. Segundo o advogado, os clubes ou organizações são obrigados a fornecer diversos serviços aos atletas e respeitar regras específicas:
“Como proteção específica desta Lei, existem requisitos para a celebração de tais contratos junto aos atletas nessa condição, tais como a de o atleta receber auxílio financeiro da entidade de prática desportiva formadora sob a forma de bolsa de aprendizagem, a garantia de que o período da prática da atividade não coincida com os horários escolares, a garantia de que o atleta exerça as suas atividades de forma gratuita e a expensas da entidade de prática desportiva, a manutenção de corpo de profissionais especializados em formação técnico-desportiva, a garantia de oferecer assistência educacional, psicológica, médica e odontológica, assim como alimentação, transporte e convivência familiar, alojamento e instalações desportivas adequados, sobretudo em matéria de alimentação, higiene, segurança e salubridade, entre outros.”
Resumindo: organizações que se predispõem a “trabalhar” atletas para o futuro dessa modalidade esportiva, precisarão investir uma boa quantia para evitar problemas com a justiça.
Será que algum dia terá um tribunal desportivo específico para e-sports?
Até o momento, não há um tribunal específico e competente para solucionar disputas e infrações disciplinares decorrentes das competições no mercado de e-sports. Existe um bom motivo para isso, segundo o entrevistado:
“Diferentemente dos esportes tradicionais, cada jogo eletrônico foi produzido por uma empresa específica — a Publisher, que nada mais é a titular da propriedade intelectual e industrial do jogo eletrônico, sendo ela a competente para definir quem, quando e em quais condições uma competição pode ser organizada em torno de seus respectivos jogos, bem como as regras e punições que serão aplicadas para cada competição.”
O máximo que pode existir para garantir o direito nos e-sports é um comitê disciplinar, criado pela própria produtora dos games, que fará a resolução de disputas e a aplicação de sanções dentro de suas competições. Portanto, é improvável que exista futuramente um tribunal desportivo específico igual ao futebol, por exemplo.
E os cheaters (trapaceiros), como atua o direito nos e-sports ?
Até para essas questões o advogado afirma que as maiores empresas de games estão atuando diretamente através de seus comitês disciplinares.
“Para inibir que existam benefícios desportivos em decorrência de utilização de softwares facilitadores de jogo eletrônico, as publishers e empresas organizadoras de competição promovem a contratação de sistemas anticheating que conseguem detectar as famosas trapaças/doping eletrônico, justamente, para garantir maior estabilidade em suas competições.”
Apesar de não possuir legislação própria, já passou a época em que os e-sports estavam longe dos olhos do Direito nacional.
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